segunda-feira, 28 de dezembro de 2009

quero ser índia cacique da minha neve.
do meu território doente, das minhas feridas de cascas lascadas.
sentada no gelo, cocar desbotado de penas de corvo
vou mastigar com ânsia os braços e pernas e orgãos dos meus crimes, dos meus amores, das desmembradas sobras do passado.
até que se tornem mim.

Deus há de me dar estômago e paz.

terça-feira, 22 de dezembro de 2009

[el pájaro
o llegarás mañana para el fin del mundo o el año nuevo]
lhasa




me irrita o conter-me, mas depois me desespero com o exagero.
dá vontade de catar todas as palavras, enfiá-las num saco, escondê-las de todos.
principalmente de mim. que sou um perigo quando sinto demais.
quero o voto de silêncio e quero ser contida, porque foi assim que aprendi a amar.

aprendi que não posso com certas palavras
nem com certos silêncios
nem com certas pronúncias
nem com certas verdades
devo não poder com muita coisa.
não posso, mas leio, sempre com o coração disparado, os textos da mulher que me ensinara a chamar as outras de mulher.
leio. renuncio por semanas. depois volto a ler.
não sei se busco a presença da qual tanto sinto falta ou se busco alento ou se busco perdão.
quero estar/compartilhar.
quero madrugadas insones de perfume floral. de bolos de fubá sem batedeira.
quero estar.
e sinto falta de ter alguém para passar junto os momentos de silêncio.
quero paisagens nubladas.
paisagens de quem sabe que foi recém-pintada de azul-tormenta-solidão.






Samantha,
meu querido lago congelado na Escócia


escrevo porque não há escapatória.
é melhor decidir logo e ir.
senão desmorono e desisto na esquina.
trate de me construir muros de concreto e me forrar a cama com lençóis floridos.
quero cobertor de lã pesada e meias escuras.
engraçado como dou ordens a você se ainda temo seu silêncio e sua presença.
quer dizer, sua eterna presença silenciosa.
deve ser por que estou com raiva.
afinal você não voltou e nem me protegeu das desgraças de que fomos culpadas.
eu por cometer, você por consentir.
não enviei nenhuma carta e você não deu mais sinal de vida.
então decidi admitir que só há uma única forma de salvação que é ir.
eu vou antes que o coração descongele, antes que o amor me pegue pelos cabelos, me olhe nos olhos e me faça cair nos abismos que eu invento.
vou agora para o abismo real que você guarda entre as árvores do jardim.
logo depois do pomar de amoras.
me espere com o café pronto e me abre o pequeno portão de madeira dos fundos.


sexta-feira, 11 de dezembro de 2009

me dá tua mão que eu sei que é dela que nascem as cores que eu preciso.
rabisca teu traço certo no meu rosto.
desenha tua paisagem nas minhas coxas
e depois pinta de verde-púrpura-carmim
os pássaros, os peixes, o gelo, as raízes e as amoras.
e inventa outras cores para descobrir as tatuagens que tenho em branco.
me dá tua mão que eu preciso logo.


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epílogo


sonhou com o fim do mundo. de novo.
acordou cansada.
não pelo sonho, mas pelo amor.
não cansada, mas magoada, doída.
uma raiva estúpida de si mesma.
cristã, diriam.
na verdade, ontem, ela disse a deus que não aguentaria.
egoísta como de costume.